quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Passageiros da agonia discutem o juizo final


Especula-se, o que fazer enquanto não chega o fim do mundo?

Jardim Monza
        No ônibus dá para se ter uma noção do tamanho da consciência crítica das pessoas.
Por morar em uma cidade dormitório, toda a manhã tomava o ônibus no ponto inicial do bairro. Isso lhe rendia a vantagem de poder ir sentado e até escolher o banco. Normalmente o da terceira fileira ao lado direito, na janela. Como ali sacoleja menos, por estar próximo ao eixo dianteiro, aproveitava para ler ou ouvir noticias no rádio com o fone no ouvido.
        Numa dessas manhãs, ocupou o lugar de costume e começou a ler uma revista semanal que havia recebido no dia anterior. O coletivo lotava a cada parada. Já no segundo ponto estava com todos os bancos ocupados e muita gente em pé. Na primeira fila atrás de si, sentaram-se duas jovens com idade aparentando entre dezoito e vinte e dois anos. A conversa das duas chamou a atenção dos passageiros vizinhos, pois falavam alto e gesticulavam como se estivessem se engalfinhando. Pelo que pode entender uma delas era atuante de uma denominação religiosa e a outra fora no passado, e agora estava “desviada”, mas com vontade de retomar a religião.

        O tema da conversa das duas, que supostamente teve início no ponto de ônibus, girava em torno do “juízo final”. Com ânimos acirrados ambas pareciam “conhecedoras” de parte da bíblia de forma fundamentalista. Discutiam como seria no dia do juízo final. Argumentavam pontos de vistas contraditórios e em determinado momento por pouco não se agrediram. A primeira dizia que no dia do juízo final, todos se levantariam vivos e mortos, para glorificar ao Senhor. A Segunda garantia que não se levantariam, mas se prostrariam de joelhos.
                Ridículo o fato de passarem um tempo enorme discutindo uma fantasia que poderá ou não acontecer desta ou daquela forma. É pior que discutir futebol, ao menos este é real e se pode argumentar e até interagir.
Atividades com crianças - Jardim Ana Terra
        Seres humanos brigam por futilidades e deixam temas  importantes em segundo plano. No ônibus dá para se ter uma noção do tamanho da consciência crítica das pessoas. O assunto que se ouve por todo lado, em tese, é o último capítulo da novela das oito, que geralmente começa as nove. O resultado do jogo da noite anterior ou o último “herói”, segundo Pedro Bial, eliminado do Big Brother. Poucos preferem ler durante a viagem e em suas mãos é notória a presença dos jornais cujas manchetes estampam os crimes mais hediondos. Segundo alguns leitores, se espremer estes jornais vertem sangue, dado ao grau de violência que veiculam.
Crianças nativas
Ficava indignado com o comportamento dos passageiros da agonia e se perguntava: Será que não dá para ler, discutir, ver e ouvir assuntos relacionados com o dia-a-dia? Que tal falar dos problemas sociais, que afligem a comunidade, das políticas do governo, da campanha eleitoral que define o tipo de político que assumirá o próximo mandato, das causas do salário baixo, do desemprego, dos meninos e meninas de ruas, das prostitutas...?
        Como se fala, ouve e se vê futilidades. Falta consciência crítica. A impressão que se tem é que as pessoas são dotadas quase que exclusivamente de boca e língua. Poucos se dão ao “desprazer” de ouvir. E quando precisam fazê-lo, seus ouvidos acabam virando pinico. As pessoas ainda não analisaram que, em via de regra, Deus concedeu a todos, dois ouvidos e uma só boca, isso subentende-se que se deve ouvir mais que falar.
        A grande questão que atormenta o juízo de cada um, talvez não seja pelo falar ou ouvir. É que no juízo final, os critérios que Deus usará para julgar os vivos e os mortos sejam pelo que se fez, ou deixou de se fazer, e não pelo que se ouviu ou disse.
Texto e imagens: Osmar Vieira

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