sexta-feira, 26 de março de 2021

Sou Diácono a convite do Padre Ari

 


Na Década de 1980, padre Ari era Pároco da Paróquia Santa Teresinha de Lisieux.

Em 1986, saí do Sudoeste do Paraná, Dois Vizinhos, Cruzeiro do Iguaçu... Foz do Chopim. Destino: Colombo, uma cidade dormitório da Capital Paranaense. Foi fácil o entrosamento com a Comunidade São Miguel Arcanjo do Jardim Monza, Bairro onde moro hoje, pelo fato das minhas origens coincidirem com as origens da maioria dos moradores oriundos das lavouras de café e algodão no Norte do Paraná. A outra sintonia era de origem social, todos a procura de um mundo melhor, mais humano e mais justo. Tendo como ferramentas as Associações de Moradores, de uma Igreja Libertadora e os Partidos Políticos comprometidos com a Linha Social da Igreja, que a direita retrógrada hoje, chama de “comunismo”, e “esquerdopatia”. Eu me orgulho de ser desse time, pois Jesus também tinha a sua opção preferencial pelos pobres, sofredores e marginalizados em uma sociedade hipócrita que valoriza mais o ter do que o SER...  supervaloriza a economia em detrimento a VIDA.

Foi nessa realidade que conheci o padre Ari José Soga, um missionário gaúcho, de voz forte, que dispensa o uso de microfone, de discurso curto e certeiro, capaz de atingir o coração mais duro do gaudério resistente à Palavra de Deus, mas que também é de uma docilidade com as pessoas e de uma simpatia cativante.


Nesse período, a Arquidiocese de Curitiba, capitaneada pelo grande pastor, Dom Pedro Antonio Fedalto, hoje arcebispo Emérito; decidiu restaurar o Diaconado Permanente. Secretariado pelo Diácono Lando Groetz, encaminhou correspondências à todas as Paróquias interessadas que apresentassem candidatos. Padre Ari, na condição de Pároco, apresentou dois candidatos: Luiz Carlos Teixeira, que por razões pessoais,  não pode continuar seus estudos, e eu que fui Ordenado em 25 de janeiro de 1998, graças ao empenho do padre Ari José Soga e o aval da minha família e das Comunidades.

Isso só pra dizer do carinho, da consideração e do respeito que tenho por esse missionário Passionista, que certamente é um anjo, motivador na vida de muita gente, assim como na minha.

 

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

N O S T A L G I A ?



Nesta tarde, enquanto revirava as gavetas da velha cômoda, no intento de encontrar um antigo documento, me deparei com um crachá, há quase dez anos ali abandonado.

Segurando-o nas mãos por algum tempo, recordei vários aspectos vividos há 34 anos e meio de atividades na mais conceituada empresa de energia elétrica do Estado do Paraná.
Admitido na Companhia Paranaense de Energia COPEL, em setembro de 1975, sob o registro 12098, meu primeiro ano de atividade como operador de uma PCH, pequena central hidrelétrica, a antiga Usina Cavernoso, por ser alimentada pelas águas do rio com o mesmo nome.

Quantas histórias vividas naquele lugar, como diria o gaúcho: “um fundo de grota”. Sim, a casa de comércio mais próxima ficava há 18km, numa pequena vila, hoje município de Virmond. Neste lugar existia mercado, moinho, bodega, Igreja e Colégio onde nós estudávamos, inicialmente conduzidos por uma Rural, depois por um jipe Toyota. De vez em quando esse trecho era percorrido a pé por cerca de três horas de caminhada, pois não havia outro meio de transporte, até por conta das estradas péssimas, lamacentas, curvadas e íngremes.

O que tinha de sofrido, compensava pelo que era de divertido. Ainda jovem, no auge dos meus 20 anos, foi fácil estabelecer amizades com os moradores das redondezas. Vale salientar que eu morava sozinho em uma das casas da empresa. Nos fins de tarde e nos finais de semana, nosso entretenimento era jogar bola queimada, assistir aos jogos de futebol no Campo do Vô Jeca e ouvir música de gaita e violão com tio Gusto, Julinho e companhia.

A Ideia de difundir a música, me fez adquirir uma rádio AM, cujo transmissor valvulado de propriedade do Pessato em Mangueirinha, funcionou por um longo tempo como a emissora de rádio daquela cidade e depois fora cassada pelo antigo DENTEL por irregularidades. Lá no Cavernoso pegava bem.  Eu tinha apenas o curso primário, mas a comunicação jorrava nas minhas veias.

De vez em quando participávamos de umas pescarias, uma vez que o Rio Cavernoso era muito piscoso, mas eu não gostava de dar banho nas minhocas e servir de alimento para os mosquitos. Sempre gostei muito de peixe, frito, assado ou ensopado. Só “pescava” bem na sala de aulas do professor João Tadeu.

No ano seguinte, fui transferido para Laranjeiras do Sul, como operador de subestação 69kV, função que foi extinta por conta das automações.
Confesso que depois vou segurar o crachá novamente, pois ainda tem muita história boa pra ser contada.


terça-feira, 10 de dezembro de 2019


Acreditem,  trocaram o Menino Jesus por Papai Noel!

Ele é um personagem muito injusto, fornece bons presentes para crianças ricas e só docinhos, geralmente pirulito para os mais pobres.


Concluí que Papai Noel é um bom negócio, símbolo comercial, produzido pela elite para explorar e faturar financeiramente. Chega a ser desumano, com raras exceções.

Quando eu era criança pequena lá em Mangueirinha, nos vivíamos numa pindaíba que não gosto nem de me lembrar Quando se aproximava o Natal, dava uma melancolia, pois esperávamos do .”papai Noel” um presente compensador que geralmente não acontecia.
Mentiam para nós que o “Bom velhinho” depositava os presentes durante a noite na sexta que a gente preparava. Quando recebíamos algum presente eles provinham quase sempre da casa da Vó Ana, que sempre foi muito generosa para conosco.

Mas, a minha maior decepção foi em 1976, nas dependências da Usina Cavernoso, quando tiveram a triste déia de me vestirem de papai Noel para entregar alguns presentes para os filhos dos funcionários da empresa. Eu aceitei e lá cheguei distribuindo presentes s, claro, previamente comprados pelos pais. O que eu não contava é que para o pátio da vila, vieram um considerável número de crianças pobres da redondeza. As crianças choravam pois queriam um presente do Papai Noel e eu precisei mentir que não tive como trazer pois o Toyota estava muito lotado e que traria no próximo ano... fiquei com uns dez nojos de papai Noel elitizado.

Deste então, procuro promover e enaltecer o Menino Jesus que dá de presente aos pobres a ESPERANÇA de um mundo melhor, mais humano e mais justo, se aderirmos ao seu projeto de vida e pormos em prática o seu único Mandamento, o do AMOR.


Na tradição da Igreja Católica, o Papai Noel seria na verdade o Santo Nicolau de Mira, que foi um bispo grego do século IV depois de cristo. Era costume desse santo dar presentes e ser uma pessoa bastante pacífica e amigável com crianças. Durante a Idade Média ele foi nomeado como santo da Igreja.

domingo, 8 de dezembro de 2019


Pensava que ia servir ao Exército.

Todo o adolescente homem, quando está se aproximando dos 17 anos, fica numa grande expectativa com relação ao Serviço Militar. Muitos desejam servir e não são aprovados... Outros vão a contra gosto por ser obrigatório. Muitos carecem do certificado de dispensa de incorporação para obterem um emprego.

Quando eu saí da casa da minha falecida avó Ana, com quem havia brigado por causa de um tomate, eu tinha feito o alistamento militar e aguardava a inspeção de saúde pra saber se iria ou não tirar um tempo no quartel. Enquanto isso, eu me divertia olhando pela janela da pensão onde morávamos com meu tio Elias e outros colegas dele; funcionários do DER, no Bairro da Cango em Francisco Beltrão – PR, de cuja janela permitia visualizar os treinamentos dos recrutas  no pátio do 21° Batalhão. Era muito engraçado quando o comandante gritava: “DIREITA... VOLVER!!!” algum recruta sempre confundia a direção, se voltava para a esquerda e dava de cara com os colegas enfileirados. Lembro que o mascote deles era um bode, que acompanhava o comandante em todos os desfiles.


Finalmente chegou o dia da inspeção de saúde. Era uma manhã de muito frio e nos encontramos cerca de uns 30 candidatos numa sala da unidade militar no centro de Francisco Beltrão. Um militar ordenou que entrássemos num vestiário e tirássemos toda a roupa e retornássemos na mesma sala. Ali ficamos enfileirados, aguardando um ao lado do outro, completamente despidos em posição de sentido.

Eu era o menorzinho, 1,60m tava arrepiadinho, não sei se de vergonha ou de frio. Eu nem olhava para os lados. De repente uma voz de militar gritou para alguém da fila: “Tire as mãos da frente! Tá escondendo o quê?”
O inspetor olhava cada um de alto abaixo, examinava os dentes e escrevia uns números no peito de cada um com um pincel atômico em tinta na cor vermelha. Aguardamos assim pelados, por alguns minutos que pra mim parecia uma eternidade. Finalmente alguém ordenou que vestíssemos as roupas.

Antes de deixar as dependências militares, perguntei a um dos homens de farda, querendo ser gentil: “O senhor acha que eu vou servir ao exército?” - Ele olhou pra mim com desdém e vociferou: - Você não serve nem pra bucha de canhão!
Como diria um amigo meu do nordeste: me deu uma "réiva". Peguei uns 10 tipos de nojos da atitude daquele sujeito!

quinta-feira, 9 de maio de 2019

PELA FRESTA DA PORTA


Por: Shirlei Noveleto


Eu deixei a porta entreaberta, era a forma que encontrei de te dizer que você poderia voltar; sentei no sofá laranja, me recordando do quanto nos divertimos colorindo a nossa casa... cada detalhe contava nossa história, e olhando para as paredes eu chorei a tua ausência.

Quando você atravessou aquela porta, um pedaço de mim também foi embora, eu desaprendi a andar na rua sozinha, suas mãos me fazem falta, o lugar vazio na mesa me tira a fome, e dormir tem sido difícil, o lugar vago ao meu lado me fez entender que eu te amava bem mais do que eu sabia.


Eu guardei nas gavetas vazias que você deixou, os porta-retratos das nossas últimas viagens, gostaria de poder fazer o mesmo com minhas lembranças, mas ainda não inventaram gavetas pra guardar as memórias dos dias felizes... esses dias não consegui resistir, e acabei folheando o nosso álbum de casamento, e mentalmente repeti as juras de amor eterno que você não conseguiu cumprir.
Levei um tempo para lavar os lençóis, de alguma forma me recusava a tirar seu cheiro de perto de mim, ou pelo menos o que restou dele, no travesseiro que você se esqueceu de levar.


Chorei de novo, encolhida no sofá laranja, pela fresta da porta, apenas o vento frio das noites que em claro eu passaria...
• Eu vi cada conquista nossa, tornando-se apenas objetos, os móveis já não eram suficientes pra preencher os espaços, o vazio tomava conta, e as janelas eu nunca mais abri, porque eu sabia que nem mesmo o sol seria capaz de me tirar da escuridão... era como se aquela história não fosse mais minha, a dor tem uma capacidade imensa de apagar os registros, aqueles que achei que estariam pra sempre impressos em mim...
Eu olhei novamente pela fresta da porta, não mais esperando você entrar, mas tomando coragem pra sair.

Ontem a vizinha da frente me ligou, disse que você esteve procurando por mim... mas o sofá laranja não era mais suficiente, eu já não cabia mais nele, assim como você já não cabe em mim.

terça-feira, 7 de maio de 2019

Quase que o bicho me ataca.




Numa tarde de verão, meados da década de 1.960, meu falecido pai, professor Oscar, me mandou na casa de comércio do Gertrudes apanhar uns comprovantes pra ele fazer a contabilidade. Sim, meu respeitado velho era professor, Contador (naquela época chamavam de guarda-livros), consertava rádios, era fotógrafo e tinha laboratório químico para revelar filmes e copiar fotos. E acreditem, usava uma bateria automotiva de 12 volts, como fonte de energia elétrica, que era recarregada semanalmente no dínamo do soque de ervas do saudoso Otávio Neckel. 

Eu era o auxiliar direto do pai. Trabalhávamos à noite sempre com uma luz vermelha  para não velar o papel fotossensível. Naquela época as fotos eram impressas em P&B, pretas no papel branco. Os produtos químicos utilizados eram o revelador, o fixador e água. Além disso, meu velho tinha tempo para beber uma cachaça Tatuzinho, 51 ou Três Fazendas, tanto que faleceu aos 54 anos, completamente ébrio.

O trecho de estrada de chão de casa antes da vila Portão, até Mangueirinha, dava uns oito quilômetros que depois, eu e minha irmã mais velha, percorríamos a pé pra ir ao Colégio Coronel Misael Ferreira Araújo. Lembro que na época, tínhamos como diretora, dona Odila e depois a professora Domingas. 



A gente gastava mais de uma hora de caminhada, calçados de Alpargatas Roda, aquelas com solado de sisal que quando molhava ia desfiando parecendo uma manga chupada. Tínhamos um par de congas cada um,  só para ocasiões especiais, no mais era descalço mesmo. 


A sola dos nossos pés criava um cascão que nem espinho penetrava. E os dedões tudo arrebitado. De vez em quando a gente achava uma pedra pelo caminho e lá se ia mais uma unha. Sem contar as que caiam infeccionadas por bicho- de- pé, que a gente chamava pejorativamente de “moranga”.

Nesse dia, como eu tinha bastante tempo disponível, fui a pé e de chinelo de dedo,que tinha um prego enfiado na tala, e com a sola comida pelo Brinquinho, um cachorro guapéca muito estimado lá em casa. A gente não, usava os calçados bons pra não sujar e nem estragar. Era de uso exclusivo na escola e na Missa sempre Celebrada pelo Frei José.

Assim que cheguei na bodega do seu Gertrudes, começou a chover, não com muita intensidade, mas persistente. Como eu estava completamente desprovido de proteção contra chuva,nem mesmo uma sombrinha velha “esgualepada” pra me proteger. O jeito era esperar que a chuva parasse pra que eu pudesse voltar pra casa. E assim passou uma hora... duas, três e nada do tempo dar uma “boestiada”. Começava anoitecer e a chuva não dava tréguas e na mesma proporção, aumentava minha angústia por ter que enfrentar um trecho desde a ponte do Rio Vila Nova até uns quatro quilômetros de mata fechada, numa escuridão e ainda com chuva.


Muita gente afirmava que naquela mata existia uma espécie de Leopardo, que chamavam de “leão baio” e depois foi simplificado por “lambaio” para caracterizar pessoas sem escrúpulos que viviam mais na malandragem, bebuns como o Taíco, o Olenitski e o Baiano entre muitos outros figurões.

Vendo minha situação e preocupado com meus pais, seu Gertrudes catou uma capa plástica cinza e com capuz, colocou no meu ombro escondeu os documentos numa sacola de “Selofan”, nome que se dava às populares atuais sacola plásticas e me mandou embora, pra não deixar meus velhos preocupados.

Como diria o gaúcho: “E assim eu saí a tranquito...” sovando com os pés a lama vermelha e grudenta da estrada. Por uns quinhentos metros as luzes da iluminação pública permitiam-me avistar o caminho. Mas logo que passei a ponte do Rio Vila Nova (o mesmo da história anterior, só que em outro trecho geográfico), começou a escuridão. 

E a mata fechada tornava o caminho muito escuro não dava pra ver um metro adiante do nariz. Caminhava no rumo, por que sabia de cor o traçado da estrada geral até em casa.
De repente escutei um ruído na mata, como se alguém estivesse me seguindo. Imediatamente me veio à mente a possibilidade do “leão baio” estar me seguindo. Pois diziam que esse animal dificilmente atacaria os seres humanos, a menos que estivesse muito faminto.


E eu lá estava em condições de medir o apetite do bicho? Apertei o passo e comecei a rezar todas as orações que eu sabia, incluindo o Ato de Contrição. Não adiantou. Ouvia nitidamente no mato o barulho, chep, chep,chep... caminhando paralelo ao meu lado esquerdo. Posicionei-me bem na margem direita da estrada. Eu caminhava e o barulho me seguia.
 Há cerca de um quilometro, havia uma estrada vicinal esquerda e eu então imaginei que aquela seria minha salvação, pois contava a lenda que o leão baio não atravessa estrada. E para continuar me seguindo ele teria que atravessar aquele caminho.

 Passei muito devagar naquela encruzilhada e percebi que o ruído da perseguição havia desaparecido. Pé-por-pé fui avançando e me pareceu que o suposto animal ficara na mata À minha esquerda.
Apressei os passos e pra minha surpresa a perseguição reiniciou, nos mesmos moldes anteriores.


 Quando eu parava, o barulho também parava. Eu andava e o chep, chep, chep... continuava. Foi então, que resolvi gritar bem alto no meio da escuridão pra assustar o bicho. E deu certo. Por alguns passos... e de repente começou de novo. Virei de lado, caminhei de ré e o barulho continuava sempre do lado esquerdo do meu ombro.

Foi então que eu percebi que o ruído não vinha da mata, que não havia bicho nenhum. O medo despertou um monstro em mim, pois, ao caminhar a capa plástica esfregava em meu pescoço e produzia o som: chep, chep, chep que era amplificado pela minha falta de coragem, meu medo somatizado. Missão mais comprida que cumprida.



quarta-feira, 24 de abril de 2019

ACREDITO EM ASSOMBRAÇÃO



Eu nunca vi... mas que ngeste, ingeste! 

Na década de 1.990 surgiu nas mídias populares do Paraná, de forma sensacionalista com grande repercussão, os ataques de um animal apelidado de “chupa-cabra”. Se caracterizava por atacar animais de pequeno porte, principalmente as aves.
Lembro que em uma das entrevistas concedidas ao programa de um apresentador que leva o nome de um pequeno roedor, o repórter perguntou a um senhor do interior se ele acreditava na existência do “chupa-cabras”, meio confuso a resposta dele foi bem honesta: - Eu nunca vi... mas que ingeste, ingeste!


Pois eu afirmo categoricamente que assombração ou visagem existe. Eu vi com estes meus olhos cor de caramelo, que um dia os vermes irão comer, depois que eu morrer claro!
Em dois episódios distintos, ocorridos no interior de Mangueirinha, Sudoeste  do Paraná, que segundo meu falecido tio Demétrio, o Monge João Maria profetizou que um dia aquela cidade haveria de: “anoitecer pessoal e amanhecer porungal”. – Que trágico!

- Numa tarde de sexta-feira, coloquei os arreios no lombo da égua baia, mansa, mais “bardosa”, muito mal acostumada. Coloquei umas duas quartas de milho, a falecida mãe me ajudou, nos “apeiros” pra fazer fubá no moinho do tio Demétrio, o mesmo que falou da profecia do Monge que eles consideravam

como São João Maria. O saudoso tio era viúvo, e tinha se juntado com uma mulher de nome Maria, nova e bem “infunchada”. Ele se gabava que já tinha ficado com sete Marias. Ele era papudo literalmente, tinha um papo no lado esquerdo do pescoço, diziam que não era bócio, mas uma rendidura.



Minha ideia era chegar bem de tardinha pra dormir na casa do tio e jantar lá com ele e de manhã cedo, enquanto ele triturava o milho eu ia pegar uns lambaris no Rio Vila Nova que na época era bem piscoso. Me falaram que hoje só tem duas espécies de cardumes de origem oriental: “Toroço e Borosta”, depois carregar a farinha, voltar pra casa e comer uns lambaris com polenta.

Mas o “disgramado” do velho, tinha outra intenção. Eu acredito que ele já havia ideado um programa com a dona Maria e que eu poderia estragar os planos. Mais que depressa ele trocou o milho por uma proporção de fubá jogou no lombo da égua e me fez marchar de volta pra casa, cerca de uns seis quilômetros.

Evidentemente já era noite quando saí do Moinho Vila Nova, com uma grande preocupação... eu teria que passar, na metade do caminho, ao lado de três palmeiras há beira da estrada exatamente onde o Manuel, genro do Pauluk tinha sido assassinado recentemente. Me deu uns três tipos de medo. Eu deveria ter uns nove ou dez anos, mas... muito corajoso.


A medida que ia retornando pra casa, ia anoitecendo, e aumentando a preocupação do que me esperava nas três palmeiras de jarivá onde tombou morto a tiros o falecido Manuel. Era uma noite enluarada e quando chegamos frente às palmeiras, eu rezava pra não aparecer assombração a égua refugou e não queria avançar. Por mais que a instigasse, o animal queria retornar do caminho. Bati com o relho de couro trançado, mas ao invés de avançar, ela empinou quase derrubando eu e a moagem.

O único jeito, e pra não deixar o animal mal acostumado, apeei e puxei pelas rédeas. Mesmo assim ela travou, refugou e não foi. Deixei as rédeas no chão e comecei a andar a pé, pra ver se encontrava algum animal, que fosse a causa da recusa da Baia continuar sua trajetória até em casa. Fui negaceando e percebi que havia um vulto próximo às palmeiras. Não dava para discernir se era algum animal, uma miragem, ou uma assombração... Vi que se mexia. Inverti o relho, segurando pelos tentos enrolado na mão até próximo ao cabo e com toda fé, e coragem que eu possuía, fui avançando e o vulto balançava de um lado para outro... nem preciso dizer que me arrepiava todos os pelos desde a sola do pé, até a “cucuruta” da cabeça. Chegando bem perto, o mistério foi desvendado. Não era um tigre, nem uma vaca, nem um cavalo, muito menos um porco... a assombração que assustava minha égua baia, não passava de uma moita de capim, desses cujas flores servem para se fazer travesseiros, acolchoados e similares. Com o vento de verão, a moita de capim se balançava dando a impressão de ser um monstro. “Só por Deus, mesmo!”