POR DEUS ESCAPEI DO NAUFRÁGIO DA BALSA
Se eu estivesse no lugar do cobrador, o saudoso Luizinho, a história poderia ser diferente...
Numa tarde, quando cheguei à garagem da empresa, fui
comunicado por um dos gerentes que eu fora escalado para o dia seguinte fazer a
linha Francisco Beltrão para Boa Vista de Aparecida, passando de balsa sobre o
Rio Iguaçu pelo porto Picheque. O motivo
da mudança de escala, me disse o Orlando, seria para favorecer o cobrador Luizinho que precisava ir à Dois Vizinhos apanhar roupas, uma vez que seus familiares residiam naquela cidade.
Cerca de uma semana depois dessa mudança de itinerário, na manhã do dia 20 de setembro de 1973, ao chegarmos à margem esquerda do Rio Iguaçu para atravessarmos de balsa, o operador havia resgatado do leito do rio, uma considerável quantidade de capacetes com características de empregados da DM construtora da obra de Salto Osório. Capturou também algumas caixas vazias de bebidas, diversas poltronas de ônibus e o corpo de uma mulher semi- nua com uma sacola a tira-colo contendo roupinhas de bebê. O corpo feminino estava amarrado numa estaca à margem do porto.
Ninguém sabia explicar o que havia ocorrido há uns trinta quilômetros acima, com a Balsa, no porto de Foz do Chopim, operada pela empresa Andreis. Naquela época a comunicação era muito precária e chegavam sempre distorcidas as "fake news caipiras". Não tínhamos dúvidas quanto as evidências de uma tragédia. Passamos um dia de muita tristeza, lamentando a possível morte de nossos colegas e só tomamos conhecimento dos fatos, ao final da tarde quando
chegamos em Francisco Beltrão. Felizmente pudemos abraçar nossos
colegas, o motorista Altamir e o cobrador Luizinho que se salvaram do
naufrágio.
O Luizinho veio a falecer alguns anos depois num trágico
acidente de moto próximo à cidade de Cascavel. O motorista “Negão”, como carinhosamente o chamávamos vive ainda em
Francisco Beltrão.
Se não houvesse a troca de escalas uns três dias antes, eu
seria o protagonista do acidente que ceifou a vida de dezenas de pessoas. Veja como
ocorreu o acidente narrado pelo motorista Altamir.
FATO
O Rio Iguaçu estava cheio, transbordando pelas margens. Chovia naquela tarde.
Quando a Balsa encostou na margem direita do Rio, para fazer a travessia, chegaram alguns caminhões conhecidos como "pau-de-arara" carregados de peões que trabalhavam na obra da Usina de Salto Osório e subiram
todos na balsa. Havia lanchas num porto adequado, mas pela pressa embarcaram todos
na balsa mais de uma centena de pessoas. Na balsa estavam além dos passageiros, dois
caminhões caçamba da DM, um caminhão de bebidas do Nodari, um automóvel táxi do
Bagatini e o ônibus da Cattani – carro 28, único modelo “FeNeMê” da frota,
reverenciado por todos os colegas pelas suas peculiaridades idêntico ao modelo aqui exposto.
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Idêntico ao ônibus da Cattani que naufragou na tragédia |
DETALHES:
Quando o rio estava cheio, o operador da balsa não usava o motor de propulsão para a travessia. Simplesmente liberava as catracas, cujos cabos sustentavam a balsa que ficava presa por um enorme cabo de aço que atravessa todo o rio. Ao liberar as catracas a balsa descia pela intensa correnteza, e quando atingia o fim de curso dos cabos, estes eram acionados pelo cabo mestre que tensionado pela velocidade da água retornava impulsionando a balsa sem a necessidade de acionar o motor.
Quando o rio estava cheio, o operador da balsa não usava o motor de propulsão para a travessia. Simplesmente liberava as catracas, cujos cabos sustentavam a balsa que ficava presa por um enorme cabo de aço que atravessa todo o rio. Ao liberar as catracas a balsa descia pela intensa correnteza, e quando atingia o fim de curso dos cabos, estes eram acionados pelo cabo mestre que tensionado pela velocidade da água retornava impulsionando a balsa sem a necessidade de acionar o motor.
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Imagens da imprensa regional da época |
O excesso de carga e provavelmente uma grande quantidade de água nas canoas de sustentação, quando a tensão do cabo golpeou a balsa, esta pendeu, como estava chovendo, os veículos derraparam sobre o assoalho liso quebrando as grades de proteção atirando na correnteza as pessoas que por capricho do destino, a maioria estava apoiada no lado direito e foram empurrados pelos veículos.
O motorista e o cobrador estavam dentro do ônibus, contrariando as determinações, porém, estava chovendo... O Luizinho subiu no teto do ônibus, escalando a janela, e como estava próximo à margem, nadou uns 20 metros e saiu ileso. O motorista foi mais dramático. Pois para sair de sua cabine precisou liberar o banco com a trava emperrada. Quando ainda estava na janela segurou em uma sinaleira no teto, uma das caçambas prensou seu corpo contra o ônibus e foram afundando ônibus, caçamba e o motorista se debatendo para escapar.
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Acesso da Vila Foz do Chopim ao porto da Balsa |
Quando já estavam submergindo os veículos casualmente se afastaram e o liberaram, então começou a nadar, quando foi agarrado pela grava por uma mulher que estava se afogando. Lutou com ela para se desvencilhar, pois com a perna ferida teria pouca chance de salva-la... Guardava como troféu um pedaço da gravata arrebentada pela mulher que não pode salva-la. A balsa derramou toda a sua carga e voltou à posição normal, vindo a afundar posteriormente.
Dados oficiais dão conta que 45 caixões lacrados foram
entregues às famílias para o sepultamento, dados confirmados inclusive pelo
saudoso padre Natalício Weschenfelder, na época vigário da Paróquia Santo
Antonio de Dois Vizinhos, a quem coube celebrar as Exéquias. Em torno de 40
pessoas foram resgatadas com vida
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