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Por: - Shirlei Noveletto |
Já passava das oito, como sempre
eu estava atrasada, tinha dormido pouco na noite anterior, alguns pensamentos
me tiraram o sono, uma angústia que eu não conseguia explicar, ao meu redor o
apartamento recém mobiliado... estava lindo, do jeito que eu planejei, mas nem
de longe aquele parecia o meu lugar. Me culpava mais ainda pela ingratidão que
eu mesma sentia com minhas próprias conquistas, a dificuldade de reconhecer que
eu tinha mais do que muitas pessoas, me fazia sentir ainda mais pequena. Eu
tinha consciência, mas não tinha controle sobre a dor que sentia.
Corri para o
ponto de ônibus, deu tempo de embarcar no coletivo e receber o tradicional “bom
dia” do motorista, sentei-me na janela, observava as pessoas andando pela
calçada, me perguntava se elas eram felizes, se tinham filhos, casa, trabalho,
sonhos... e desejava ser uma delas, viver outra vida que não a minha... até o
mendigo pedindo esmolas me causava inveja, havia nele uma liberdade que talvez
eu nunca conseguisse alcançar. Cheguei na loja em tempo, coloquei meu uniforme,
prendi os cabelos, passei uma maquiagem leve e estava pronta! O dia transcorreu
normalmente, atendi vários clientes, recebi algumas cantadas que fizeram minhas
bochechas rosarem, me diverti com clientes que insistiam em querer entrar em um
manequim duas vezes menor, almocei com meus amados colegas, combinamos de ir a
praia no final de semana, rimos muito... olhando de fora, eu parecia ter muita
sorte na vida, mas por dentro eu era apenas um esboço de ser humano, em uma
tentativa desesperada de que alguém enxergasse a dor que eu carregava.
Não me
recordo exatamente o dia que a tristeza chegou em minha vida, foi devagarinho,
fiquei com vergonha de pedir ajuda, e ninguém percebeu que eu morria um pouco a
cada dia, e tudo foi perdendo a graça, a comida perdeu o sabor, os conselhos
não atingiam mais meu coração, os momentos felizes eram tão rasos, o esforço
pra tirar esse sentimento de dentro de mim era desesperador, e quando eu
escutava as pessoas dizendo que eu era fraca, que não sabia dar valor ao que
tinha, que eu deveria rezar mais... mal sabiam elas do meu esforço pra
permanecer aqui, nem ideia faziam de quantas noites passei de joelhos rogando à
Deus para que me curasse... das vezes que levantei disposta, troquei a cor das
paredes, mudei os móveis de lugar, e parecia que ia ficar tudo bem, que eu iria
conseguir... e eu ficava contente com meu feito, olhando ao redor com orgulho o
resultado da minha nova decoração, mas de repente o sorriso ia embora, não
fazia sentido mais nada... mais nada fazia sentido. Não me julguem, é só o que
eu peço, não foi fraqueza ou covardia, eu tentei, juro que tentei... o médico
disse que os remédios me ajudariam, ele estava certo, o que eu fiz foi apenas
mudar a dosagem... em poucos minutos a cartela estava vazia em cima da cama,
deitei calmamente sobre o edredom que mamãe me deu de aniversário... os maus
pensamentos foram embora, e eu descansei.
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