Vocês já conheceram uma vítima de estupro?
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Por: Shirlei Noveletto |
Conheci Sophia no primeiro dia de aula da faculdade. Como eu, ela também estava meio perdida... A faculdade é bem diferente do Colégio, a gente sai da galera do Fundão e cai em uma sala cheia de figurões, tinha gente mais velha, outras tribos e uma mina com o cabelo cor de rosa... Como diria meu saudoso Russo "festa estranha, gente esquisita"... Sophia se parecia mais comigo, quase completando 18 anos, vinda de escola pública, ralando pra pagar a faculdade particular, e talvez até por falta de opção, fomos nos tornando cada vez mais próximas... éramos a dupla fixa de todos os trabalhos, e descobri que o sonho de Sophia era ser âncora do Jornal Nacional quando se formasse em jornalismo, eu queria ter uma rádio comunitária, fazer jornal de bairro... A gente era bem diferente... ela era mais delicada que eu, mas isso quase todas as moças são.

Percorríamos duas quadras a pé do ponto de ônibus até a faculdade. Era escuro, desabitado, mas como sempre tinha muito aluno passando por ali nem imaginávamos que algo de ruim podia acontecer.
Já tínhamos concluído os dois primeiros períodos e ela já sonhava com a formatura, eu só pensava em beber vinho no estacionamento com a galera...
Quase encerrando o ano, em uma das provas finais, Sophia não apareceu, mandei mensagem de texto (não tinha Whatsapp naquela época)... não tive resposta... no final da aula fiz o trajeto sozinha até o ponto de ônibus... no meio do primeiro quarteirão reconheci o tênis cinza com os cadarços coloridos de Sophia na beirada da calçada... ela estava ali em algum lugar, em desespero comecei a gritar seu nome, parecia que minha garganta sangrava, outros alunos correram e entraram na mata junto comigo... ela não estava longe, logo avistamos um corpo encolhido e um gemido quase inaudível... ela permaneceu ali imóvel por no mínimo 4 horas. Os braços envoltos no corpo cobriam os seios nus, em um impulso quis tirar minha blusa pra cobri-la, mas uma rapaz segurou meus braços e em câmera lenta o vi tirando a camiseta e entregando a mim pra eu poder vesti-la... fiz um esforço enorme pra ela liberar seus braços e vesti-la... quando enfim soltei o primeiro braço que cobria seu colo, percebi que seu mamilo direito havia sido arrancado, mas a pressão que ela fez com seus braços havia estancado o sangue... Como quem cuida de um bibelô frágil, passei suavemente seus braços pelas mangas da camiseta. Um de seus olhos estava fechado, e um pequeno corte havia sobre a sobrancelha... passei delicadamente sua cabeça pela gola, havia mechas de seus cabelos arrancados por todo lado, repousei a cabeça dela na grama...
A essa altura, já havia muita gente ao redor, acho que gritavam, choravam, perguntavam se ela estava viva... alguém tocou meu ombro e disse: a polícia e os bombeiros estão a caminho... só fiz sinal que sim com a cabeça e me dirigi até a outra ponta do corpo de minha amiga... fui subindo sua calça jeans que estava na altura dos tornozelos, seus joelhos estavam ralados e tinha pedrinhas dentro dos cortes... na altura da coxa haviam mordidas e arranhões, ajeitei sua calcinha que havia sido rasgada em uma das laterais, havia fezes, urina e sangue... muito sangue... fechei o zíper, o botão da calça não estava mais ali... alguém me entregou o tênis que estava faltando e eu o calcei em Sophia.
Voltei engatinhando até a cabeça de Sophia, deitei ela no meu colo... os bombeiros chegaram e pediram pra eu me afastar. Sophia foi colocada em uma maca, fui com ela na ambulância... eu segurava a sua mão e cantava: boi boi boi... boi da cara preta... Sophia não se formou com a nossa turma, nem voltou mais a faculdade... e essa cantiga de ninar me faz chorar desde então.